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só é possível lembrar daquilo que ainda existe

 

Só é possível lembrar daquilo que ainda existe (2020)
instalação
restos do horizonte da cidade apagada por uma barragem, impressão mineral sobre canva
285X175cm  

Um conjunto de imagens que instala o horizonte fragmentado uma cidade apagada por uma barragem. As imagens se constituem das ações observar e apagar. Nesse processo, o restos visíveis são mínimos e a ausência também é imagem.

São Rafael Velha foi apagada na década de 1980 pela Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. Uma enorme massa de água afundou o presente e anulou qualquer possibilidade de futuro. Ficou interrompido um povoado perdido no meio do nordeste que nunca importou à ninguém, o povoado do meu pai. As promessas de progresso e desenvolvimento que pagariam o trauma coletivo, nunca se concretizaram. Quando os restos da cidade voltaram a aparecer em 2013 devido a um longo período de estiagem, visitei a cidade com meu pai. Encontramos, juntos, a devastação. O chão, as pedras e o relevo se apresentaram como enigmas que uma vez decifrados, nos permitiriam aceder à ficção do que foi. 

Anos e anos passados, a paisagem que vira meus antepassados também me via ali, de pé. Olhávamos o mesmo horizonte, mas meus ancestrais se paravam diante da vida, eu, da destruição. Tentei fazer coincidir o que eu via com o que os meus antepassados viram. Por isso, as ações que constituem essas imagens são: observar e apagar tudo que a barragem levou. Separei, assim, aquilo que hipoteticamente resistiu à destruição: as serras. Através desta ficção pude acessar algumas realidades. Um horizonte fragmentado é, apesar de tudo, horizonte, uma lembrança imperfeita, é, apesar de tudo, uma lembrança. Compreendi que nesse resquício de paisagem é vasto tudo aquilo que deixou de existir e tudo aquilo que ainda existe.